ARTIGO DE JOSÉ ANTÓNIO LIMA ( Expresso )
Excerto do excelente artigo de opinião de JA Lima:
A ministra da recessão
OS SINAIS vinham-se multiplicando nos últimos meses. Anteontem, o Banco de Portugal veio confirmá-los e tornar reais as mais negras expectativas. Em 2003, o PIB deverá decrescer mais de 1%, o consumo interno está em queda, o investimento ainda mais e o défice orçamental - sem medidas extraordinárias - ficará acima dos 5%. Face a esta certidão de recessão, Durão Barroso diz que «não há alternativa a esta política de contenção orçamental». E, de derrapagem em derrapagem, a ministra das Finanças afirma ter recebido este diagnóstico sombrio «da forma mais positiva possível». Imagine-se qual.
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Donde se conclui que a férrea política de contenção do Governo de Durão Barroso, além de constituir um inevitável travão ao relançamento da economia (o que seria, para muitos, aceitável em nome do rápido saneamento e regularização das contas públicas), nem sequer está a conseguir os efeitos desejados (e prometidos) no défice público.
É que, além dos custos sociais desta política de contenção e austeridade - desemprego em crescimento contínuo, inflação a crescer acima da média europeia e salários reais com crescimento nulo ou negativo -, não se vê quando conseguirá Manuela Ferreira Leite colocar ordem e rigor nas contas do Estado. As receitas caíram drasticamente e a despesa continua a subir, apesar de todos os esforços, cortes e restrições.
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As despesas primárias e correntes do Estado não cessam de aumentar de ano para ano, ainda que o seu crescimento se tenha atenuado com a saída de custos dos hospitais-empresarializados. O clientelismo continua a ditar as nomeações e admissões no aparelho de Estado, o despesismo de autarquias e governos regionais permanece incontrolável. Por seu lado, as receitas ressentem-se naturalmente da recessão da economia e, em acumulação, de níveis de evasão fiscal que se mantêm indecorosos em termos europeus. Por este andar, nem em 2006, quando o Governo for avaliado em eleições pelos portugueses, a ministra das Finanças terá alcançado a célebre consolidação orçamental.
Cavaco Silva, insuspeito de qualquer antipatia por Manuela Ferreira Leite, afirmava, na passada semana, que «o défice é um instrumento de pressão para evitar políticas erradas do Governo» e para se levarem à prática reformas estruturais. E alertava: «Mas se o 'monstro' da despesa pública continuar gordo e anafado, se não se travar a fuga ao fisco e se não se resolver o desequilíbrio da segurança social, então a política está errada».
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Na lógica de Cavaco Silva, isto só pode significar que a política está errada. Ou que a sua execução revela uma confrangedora ineficácia.
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